Folha de S.Paulo, 29 de outubro de 2010
Objetivo é unir ensino e diversão Luciano Grudtner Buratto
Novas ferramentas integram pedagogia e tecnologia, mas seu uso ainda não é acessível a todos.O burburinho domina a sala de aula. Em netbooks, alunos do primeiro ano do ensino fundamental comandam animais em uma floresta virtual e compartilham suas descobertas com colegas e com a professora. Ao final da brincadeira, narram em redações as peripécias de seus bichos preferidos. Os textos, depois reunidos em um livro, serão lançados na escola, com direito a noite de autógrafos. A atividade de redação em um colégio da capital paulista, descrita acima, ilustra como tecnologia e pedagogia podem ser integradas a fim de tornar o ensino mais efetivo e divertido.
Além de computador e internet, tecnologias mais recentes, como lousas digitais, estão mudando as feições da velha sala de aula, resquício da Revolução Industrial em um mundo pós- industrial. Algumas instituições chegam a investir 4% de seu orçamento em tecnologia, valor repassado para os pais na cobrança da mensalidade.
DESAFIOSEsses avanços impõem dois grandes desafios para a educação brasileira: a disseminação dessas tecnologias e a capacitação de professores para seu correto uso. O caminho é longo, e novidades como votadores, mesas digitais, realidade aumentada e aulas em 3D ainda estão em grande parte restritas às instituições de ensino fundamental e médio da rede particular e às faculdades.
Segundo o último censo do Ministério da Educação, apenas 49% das escolas públicas de ensino fundamental possuem computadores e só 33% têm acesso à internet. No ensino médio a situação melhora: 97% têm micros e 89% estão conectadas. O uso de computadores e de novos recursos não se traduz em melhoria automática na educação -e isso vale do ensino infantil à universidade, dizem especialistas. É preciso ter um professor preparado para usar as novas ferramentas, que incluem sistemas integrados de informática, que unem aulas preparadas por todos os docentes, e até corretores automáticos de testes.
A Folha conversou com pesquisadores e produtores de tecnologia e consultou 32 instituições de ensino. O resultado é um panorama da tecnologia educacional no Brasil e como ela pode ser usada para atrair o "tecnoaluno" que está chegando às salas de aula.
Lousa e mesa ganham novo papelObjetos tradicionais aparecem em versões digitais e facilitam a interatividade na sala de aula. Os tradicionais giz e lousa estão dando lugar a versões eletrônicas. As novidades incluem lousa e mesa digitais e mouse remoto. Em Taboão da Serra (Grande SP) todas as escolas municipais instalaram lousas digitais. No Miguel de Cervantes, no Morumbi, todas as salas possuem lousas eletrônicas e o giz foi aposentado de vez.
Sintomático do aquecimento do setor, a HetchTech, única fabricante nacional do equipamento, vendeu cerca de mil unidades em 2009 e espera dobrar esse número neste ano e em 2011. Seu uso não é unanimidade porque alguns especialistas na área de tecnologia educacional afirmam que a lousa digital estimula o método tradicional de ensino, em que todos devem prestar atenção ao professor, apesar da maior interatividade.
Em sintonia com as novas tendências, o mouse remoto se mostra mais eficaz, pois facilita a locomoção do professor pela sala de aula. Moisés Zylberstain, coordenador de tecnologia educacional do colégio Santa Cruz, em Alto de Pinheiros, diz acreditar que o maior ganho já havia sido obtido com a dupla computador-projetor. "Isso obrigou os professores a planejar melhor as aulas e facilitou o uso de ferramentas multimídia."
Para Zylberstain, um sistema híbrido (uma metade da lousa convencional e a outra, digital) parece mais eficaz. Já as mesas educacionais têm sofrido menos críticas. Ao unir elementos concretos e abstratos de forma lúdica, o método facilita o aprendizado no ensino fundamental. Na escola estadual Aparecido Garcia, em Jundiaí, a mesa é usada em português e matemática. A escola, que tinha em 2003 um dos piores índices no Ideb, melhorou e se tornou referência. "Não é a tecnologia, mas as novas pedagogias que vêm em sua esteira que melhoram o aprendizado", diz Betina von Staa, coordenadora de pesquisa em tecnologia educacional do Positivo, produtor das mesas. (LGB)
Rede social própria incentiva estudoAndrea Maciel
Escola passa tarefas por meio de comunidade virtual, mas uso de Orkut, Twitter e Facebook ainda é polêmico Quem tem filhos e internet sabe: em vez de fazer as tarefas, as crianças chegam da escola e vão acessar sites como Orkut e Facebook. Alguns educadores usam esse interesse dos alunos a favor do aprendizado. Uma das experiências ocorreu em Lavras (MG), onde uma escola passou a usar as redes sociais como ferramenta. Cada turma do Centro Educacional NDE ganhou rede social própria, na qual o professor passa lições de casa, faz chats e envia arquivos. Só quem participa da comunidade acessa o conteúdo. Por causa das aulas virtuais, a participação dos alunos em sala aumentou.
"Eles se interessam mais. Internet é o mundo deles", diz a professora Karla Emanuella Pinto, que implantou o projeto. Mas o uso das redes sociais abertas como instrumento pedagógico, já presente em algumas escolas de São Paulo, ainda é muito discutido. Uma das preocupações de pais e educadores é que, em sites abertos a todos, o aluno fica exposto a pedofilia e a conteúdo impróprio.
Para Claudemir Viana, doutor em comunicação pela USP, isso não impede que redes abertas sejam usadas pelas escolas. "Elas devem ser utilizadas justamente para educar crianças e jovens a estar na web com segurança e responsabilidade." Viana é gestor da rede social Minha Terra, que reúne mais de 10 mil professores e alunos e publica dicas para o uso pedagógico da internet.