Celular e Expressão

CELULAR E EXPRESSÃO: um projeto para o uso dos dispositivos móveis na escola

Referência para citação deste artigo:
MENDES, Lina. Celular e Expressão: um projeto para o uso dos dispositivos móveis na escola. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE TECNOLOGIA DA EDUCAÇÃO. 8, 2010. Pernambuco. Anais... Recife: Ed. SENAC-PE, 2010, 1 CD.
(ISSN: 1984-6355)


A Internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. (Manuel Castells).

Introdução

Este trabalho discute o uso de celulares como recurso educacional, tendo como base os resultados do projeto Um vídeo contra o preconceito, desenvolvido com os alunos do 9º ano (EF II) do Colégio Ítaca, escola privada do município de São Paulo, no primeiro bimestre de 2010.

Referencial Teórico

O uso de novas tecnologias e novas linguagens na escola tem sido alvo de inúmeros estudos e muito se tem pesquisado acerca da inserção de blogs, e-mails, podcasts, hipertextos e outras mídias, gêneros, recursos e linguagens na sala de aula (além de televisão, cinema e rádio, há muito discutidos). Há vários materiais publicados para o professor preocupado em usar, em suas aulas, outros gêneros textuais, novas maneiras de abordagem de conteúdos e linguagens diversas, mas, apesar da relevância da linguagem digital, ainda há certa resistência quanto à sua utilização.
O celular adentra o espaço escolar como um dos grandes problemas a serem enfrentados pelos educadores do século XXI. A chamada recebida fora de hora que quebra a concentração de alunos e professores, a “cola” da prova enviada via torpedo (SMS), o uso abusivo da câmera fotográfica, o vídeo não autorizado publicado na internet: não podemos negar que os aparelhos celulares têm sido uma grande “pedra no sapato” de todos aqueles que pretendem preservar a ordem e o bom andamento do ambiente escolar, assim como a ética nas relações ali constituídas. Nesse sentido, inúmeras ações buscam coibir seu uso na escola, dentre as quais o projeto de Lei 2246/07, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS), substituído por várias outras propostas também de proibição, ampliadas para a rede privada, cujo objetivo, segundo a relatora do projeto final, deputada Angela Portela (PT-RR), é “assegurar a essência do ambiente pedagógico que deve prevalecer na escola. Sendo assim, a preocupação não deve se restringir aos estabelecimentos públicos, mas a todos aqueles que integram a educação básica” (1) . Do mesmo modo, alguns países, como a França, por exemplo, proibiram o uso desses aparelhos nas escolas por temerem que problemas de saúde ainda não confirmados pelas pesquisas médicas possam ser causados por eles (2).
Na contramão dessa discussão, países como Estados Unidos e Grã-Bretanha (3) buscam modos cada vez mais complexos para gerenciar o uso dos celulares na escola, e uma universidade japonesa distribui iPhones aos alunos como modo de controle de sua presença em sala de aula (4).
No Brasil, projetos como o da professora Andréa Guimarães Phebo(5), entre outros de igual relevância(6), questionam o uso desse dispositivo em ambiente escolar e reforçam nossa premissa básica de trabalho, que defende a necessidade urgente de a escola, mais do que proibir o uso de aparelhos como celular e iPod, ou as pesquisas escolares em sites da internet, apropriar-se desses meios e recursos em seu favor.
Segundo Passareli (2007 apud PHEBO, s.d.), em reflexão acerca do desgaste do modelo pedagógico tradicional a partir de fins do século XX, nos tempos atuais, valorizam-se as habilidades que buscam solucionar problemas. Assim, “[...] em vez de memorização, o importante é saber encontrar a informação necessária para a construção do conhecimento” (ibidem). Entendemos que o acesso a essa informação pode tornar-se mais rápido por meio da competência no uso das novas tecnologias.
Do mesmo modo, o pesquisador Sergio Amadeu, em entrevista ao Portal EducaRede (7), defende o uso das tecnologias na escola e discute o fato de o problema estar na falta de repertório apresentada pelos alunos, o que dificultaria – apesar de todas as facilidades de acesso – a apreensão do conhecimento. Segundo ele, não adianta o aluno dizer “eu tenho tudo no meu celular”, se não houver fundamentação teórica, pois o acesso à informação não implica em sua compreensão. Entendemos ser esse, portanto, mais um motivo para a escola tomar as rédeas do uso desses dispositivos no processo educativo.

Metodologia

Escolhemos o celular porque é uma ferramenta de convergência. Ele serve para a comunicação através de vários recursos: áudio, imagens estáticas e dinâmicas (vídeos) e escrita (PHEBO apud ALVES, 2009).


O projeto Um vídeo contra o preconceito foi desenvolvido com 38 alunos dos 9ºs anos do EF II de uma escola privada em São Paulo, no primeiro bimestre de 2010, para a disciplina “Panoramas” (8).
Inicialmente, eles assistiram, em suas casas, a diversos filmes que, de algum modo, abordavam o tema do preconceito, tais como: “Amistad” (EUA, Steven Spielberg, 1997), “O Homem que copiava” (BRA, Jorge Furtado, 2003), “Philadelphia” (EUA, Jonathan Demme, 1993), “A Vida é bela” (ITA, Roberto Benigni, 1997), “A Cor Púrpura” (EUA, Steven Spielberg, 1985) e “Lemon Tree” (ISR, ALE, FRA, Eran Riklis, 2008). Depois de assistido, cada filme foi amplamente discutido em sala de aula e foram produzidas resenhas críticas de alguns deles, com o apoio de textos (geralmente artigos de jornais e revistas) que abordavam o mesmo tipo de preconceito de que o filme tratava.
As duas últimas semanas do bimestre foram dedicadas à produção de um vídeo de um minuto sobre o tema “preconceito”. Foi estimulado o uso da câmera do aparelho celular, mas também foi permitido fazer uma montagem (por meio do programa Windows Movie Maker) que usasse outras imagens encontradas na Internet, uma vez que nem todos os alunos possuíam celulares, e os aparelhos de alguns não contavam com o recurso da câmera de vídeo.
Paralelamente, nas aulas de Literatura, estavam sendo lidos os livros “Destinatário desconhecido” (Kathrine Kressmann Taylor, Cia. das Letras) e “O menino do pijama listrado” (John Boyne, Cia. Das Letras), por meio dos quais discutiu-se o tema do nazismo na Alemanha do século XX, e que enriqueceram as discussões propostas nas aulas de Panoramas.

Resultados

Os trabalhos finais variaram desde colagens de vídeos já publicados na Internet, entrevistas com pessoas que já sofreram preconceito (mães, empregadas domésticas, motoboys e outras), abordagens a desconhecidos nas ruas da cidade, até trabalhos totalmente autorais, realizados exclusivamente com o uso dos recursos da câmera do celular.
Os alunos editaram os vídeos com o programa “Windows Movie Maker”, que faz parte do pacote “Windows” disponível nos computadores da escola e na maioria dos computadores de suas casas. Desse modo, também aprenderam a usar um recurso de edição que já têm à mão, e isso acabou por estimular o desejo de produzir novos vídeos.
Para a publicação dos vídeos na Internet, os alunos criaram contas no Youtube (9) e, em cada turma, um aluno ficou responsável por criar um blog (10), que agrupasse as produções. Assim, dois blogs agrupam todos os trinta e oito vídeos produzidos (11).

Considerações Finais

Ligia Chiappini (CITELLI; CHIAPPINI, 2004, p.14) atenta para a necessidade de suprir o “proverbial analfabetismo nas linguagens não verbais ou não apenas verbais e não necessariamente escritas” utilizadas pelos meios de comunicação de massa, de modo a capacitar-nos (professores e alunos) a melhor compreendê-las para que, leitores mais críticos desses meios, possamos evitar seu “autoritarismo”. Adilson Citelli (2004, p.23-24), por sua vez, refere-se ao “desconforto” da escola em utilizar “linguagens e recursos tecnológicos relativamente novos entre nós, [...] pouco conhecidos em seus sistemas e processos” e Manuel Castells (2003, p.8), a seu turno, aponta para a explosão do uso da Internet como sistema de comunicação e forma de organização no mundo, com mais de 2 bilhões de usuários em 2010.
Nossa proposta de incorporação do celular na escola vai ao encontro da opinião desses pesquisadores, uma vez que acreditamos que nossos alunos dominam tecnicamente o uso das tecnologias, mas não as linguagens que as estruturam, o que poderá levá-los a assumir uma postura cada vez menos crítica frente a elas. Compreender as tecnologias é, portanto, apropriar-se das linguagens que as constituem, e a escola pode desempenhar um importante papel nesse processo se, desde já, aprofundar-se no estudo desses meios para incorporá-los a sua prática.
No que respeita ao projeto Um vídeo contra o preconceito, entendemos que os filmes assistidos, os textos lidos, as discussões realizadas em sala de aula, bem como as produções textuais que resultaram de todo esse processo foram fundamentais para estruturar um pensamento crítico acerca do tema, para que fosse possível, então, extrapolar leituras clichês, literais e superficiais sobre a proposta. Como é de se esperar em qualquer atividade escolar, houve alunos que não atingiram o nível de excelência esperado, como houve também aqueles que superaram as expectativas. É preciso ressaltar, contudo, que a proposta de uso do celular em uma atividade escolar, além de ter sido muito bem aceita por todos, ampliou sua visão acerca das possibilidades de uso do dispositivo, bem como os levou a buscar ferramentas que os auxiliassem a melhorar os resultados do trabalho (como programas de edição de áudio e vídeo, por exemplo) e, de modo geral, o resultado final foi bastante satisfatório.

Agradecimentos

Agradeço os sempre dedicados alunos Pedro Z. Sambrano e Juliana C. Santos que organizaram os vídeos dos colegas nos blogs, assim facilitando, sobremaneira, a avaliação e a divulgação desses trabalhos.

Notas
(1)Disponível em: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/NAO-INFORMADO/135881-EDUCACAO-PROIBE-USO-DE-CELULARES-EM-ESCOLAS-DE-ENSINO-BASICO.html. Acesso em 10 jun 2010.
(2)Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/franca-recomenda-fim-dos-celulares-na-escola-27052009-12.shl. Acesso em 10 jun 2010.
(3)Disponível em: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.especiais&id_ especial=419. Acesso em: 10 jun 2010.
(4)Disponível em: http://madeinjapan.uol.com.br/2009/05/28/universidade-no-japao-distribui-iphone-de-graca-para-alunos/. Acesso em 10 jun 2010.
(5)Disponível em: http://aphebo.webnode.com//. Acesso em 10 jun 2010.
(6) Sugerimos conhecer, entre inúmeros outros, os seguintes projetos:
- MVMOB – Minha vida móbile: patrocinado pela operadora de telefonia celular Vivo, o objetivo do projeto é construir conhecimento de modo interativo, aguçando o interesse dos estudantes pela pesquisa. Acesse: http://www.mvmob.com.br/
- Celular, o vilão?: de autoria da professora Andréa Guimarães Phebo, o projeto foi desenvolvido com estudantes de Artes da UFRJ. Acesse: http://aphebo.webnode.com//
- Desafio multimídia pelo celular: o Portal EducaRede desafia os estudantes a formarem uma equipe, com o objetivo de fazer uma reportagem pelo celular, além do uso de outros recursos da internet, como Twitter e outras ferramentas Web 2.0. Acesse: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=comunidade_virtual.publicacao&&id_comunidade=171&ID_PUBLICA=6818
(7)Disponível em: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.especiais&id_especial=420. Acesso em: 10 jun 2010.
(8) A disciplina Panoramas tem o objetivo de oferecer ao aluno a possibilidade de ampliar seu repertório acerca do mundo em que vive, favorecendo um maior entendimento de questões tratadas pela escola, pela mídia, pela comunidade. Tem como objetivos: a) desenvolver uma visão mais crítica acerca de temas abordados cotidianamente nos meios de comunicação em geral; b) compreender as novas linguagens com as quais nos inserimos no mundo; b) ampliar o repertório por meio do uso do cinema em sala de aula; c) fomentar o debate e a capacidade crítico-argumentativa; d) favorecer o desenvolvimento das habilidades de escrita.
(9)Conforme definição da Wikipedia, “site que permite que os usuários carreguem e compartilhem vídeos em formatos digitais”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/YouTube. Acesso em: 10 jun 2010.
(10)Conforme definição da Wikipedia, “site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou ‘posts’”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog. Acesso em: 10 jun 2010.
(11)Os vídeos criados pelos alunos estão disponíveis em dois blogs, também produzidos por eles:
- 9º ano A: http://preconceitopanoramas.blogspot.com
- 9º ano B: http://videospreconceito.blogspot.com/


Referências

ALVES, J. As 1001 utilidades de um celular. In: Portal EducaRede. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 jun 2010.
CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
CAVALCANTE. Marianne Carvalho Bezerra. Mapeamento e produção de sentido: os links no hipertexto. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. (orgs.). Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CITELLI, Adilson; CHIAPPINI, Lígia. (orgs.). Outras linguagens na escola. 4. ed. São Paulo, Cortez, 2004.
LEÃO, Lucia. (org.). O chip e o caleidoscópio. São Paulo: SENAC, 2003.
M-LEARNING: uso do celular em escolas de outros países. In: Portal EducaRede. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 jun 2010.
PHEBO, A.G. O Celular Como Material Didático. Disponível em: http://aphebo.webnode.com//. Acesso em: 10 jun 2010.
SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.